Ameaças à liberdade presentes nos debates do LeV – encontro literário de Matosinhos

Vereador da Cultura de Matosinhos, Fernando Rocha (Foto: CM Matosinhos)

As ameaças à liberdade e à democracia, e as novas formas de censura impostas por “leitores sensíveis”, quando se assinalam 50 anos de 25 de Abril, foram preocupações debatidas no Festival Literatura em Viagem, que terminou este domingo, em Matosinhos.

O Festival LeV – Literatura em Viagem, que começou no dia 8, teve o seu momento alto no fim de semana, com as mesas de debate participadas por autores, abertas ao público.

O poema de Sophia de Mello Breyner que alude à madrugada clara e limpa, quando Portugal emergiu “da noite e do silêncio”, serviu de mote para uma mesa que juntou o deputado e historiador Rui Tavares, o jornalista Júlio Magalhães, a escritora Isabela Figueiredo e o coronel da guerra colonial Carlos Matos Gomes, também romancista, sob o pseudónimo de Carlos Vale Ferraz.

Isabela Figueiredo começou por considerar que o caminho para a democracia está permanentemente a ser percorrido e é um objetivo sempre a alcançar.

“Se até agora o caminho foi claro? Sim. Se foi limpo? Às vezes não. A democracia não é perfeita”, afirmou a autora de “Caderno de Memórias Coloniais”.

Carlos Matos Gomes pegou na ideia da “manhã clara e limpa” para assinalar que “a maior claridade atribuída ao 25 de Abril é principalmente a do direito das mulheres, que hoje consideramos um dado adquirido, mas que não era”.

Júlio Magalhães enalteceu “o regresso de muitos jovens à política e à vontade de votar”, depois de muitos anos afastados, a que assistiu no último dia 10 de março.

Num registo mais crítico, Rui Tavares lamentou que, quando se celebram 50 anos da revolução que acabou com a ditadura, se assista na Assembleia da República a quem pretenda “acabar com o caso de paixão que o povo tem com o 25 de Abril”.

O deputado pelo Livre lembrou que o século XX em Portugal “foi cortado ao meio” e que houve pessoas que viveram metade da vida em ditadura, dirigindo um alerta aos jovens sobre as conquistas e o risco de as perder: “Tudo o que aconteceu foi belo e único, mas atenção que quando perdemos, não sabemos por quanto tempo está perdido”.

Centrando-se na liberdade enquanto “essência do ser humano”, Carlos Matos Gomes manifestou receio por ameaças que pairam sobre essa liberdade, comprometendo o livre arbítrio, a capacidade de pensar, criar, reagir, ver o mundo e o interpretar.

“Estamos a ir para um beco, porque nos estão a dizer que ir para o beco é a única forma de interpretar a realidade. Querem fazer-nos caminhar como o gado, como os nazis encaminharam os judeus para a câmara de gás, a mesma situação que se vive hoje em Gaza. São as várias faces da censura”, afirmou.

Debruçando-se sobre a “liberdade de ofender”, os limites da liberdade de criação e a dúvida sobre se serão os “leitores sensíveis” ao novo “lápis azul”, ao serviço da inclusão, a mesa seguinte reuniu o cronista e escritor Henrique Raposo, a escritora e editora Inês Pedrosa, e o jornalista e escritor cabo-verdiano Joaquim Arena.

Partilhar:
Subscreva a nossa Newsletter