Pandemia pelos olhos dos universitários: “um alerta para a sociedade”

Pandemia vista pelos universitários

Alunos universitários da Maia encontram aspetos positivos depois de a pandemia os ter colocado em aulas online durante meses. Alguns indicam atitudes mais solidárias e o repensar da vida e do ensino.

No início do primeiro confinamento todos os alunos viram as suas aulas serem convertidas para o digital. Assim, milhares de jovens em todo o país foram forçados a passar largas horas em frente a um ecrã.

Mas nem tudo foi mau, pois entre as distrações e as faltas de comunicação com os docentes, por exemplo, alguns estudantes conseguiram fazer um balanço positivo da situação. É o caso destes alunos maiatos, finalistas do curso de Ciências da Comunicação no Instituto Universitário da Maia (ISMAI), com quem o Primeira Mão decidiu conversar.

Tempo para fazer outras coisas

Inês Mota tem 24 anos e apesar de no início se ter sentido “revoltada” em relação às aulas à distância, tudo mudou quando percebeu que ganhou tempo para fazer “outras coisas que com aulas presenciais talvez não conseguisse”. Assim, a jovem reflete que após uma “fase de habituação, posso dizer que prefiro muito mais ter aulas à distância”. No entanto, a mesma afirma que nem todas as situações beneficiam deste método, já que “as aulas práticas fazem todo o sentido serem lecionadas de forma presencial”.

Mónica Valente, com 20 anos, também conseguiu extrair algo bastante positivo da pandemia. Sofre de ansiedade há vários anos e para combater isso durante o confinamento, a aluna decidiu tornar-se mais criativa. “Descobri novos hobbies e paixões que me ajudaram a lidar com os meus problemas. Se calhar se não tivesse parado este tempo” não as teria explorado. “Focando no positivo, houve uma oportunidade de aprender a lidar com a ansiedade de outras formas e se antes eu só escrevia, agora também pinto e desenho”, explica.

João Santos tem 21 anos e aborda uma questão importante. “Se calhar, a pandemia veio antecipar o que eventualmente iria acontecer: a digitalização do ensino”. À custa disto, o aluno prevê que num futuro próximo “vamos encontrar mais cursos à distância e se calhar, muitas licenciaturas e mestrados vão passar a ter regime misto”. Ainda que este não seja o método mais eficaz, o estudante de jornalismo reconhece a praticabilidade de por exemplo “ tirar um curso em Lisboa, sem nunca ir à capital”. Coisa que há pouco tempo atrás, talvez não fosse possível.

Saúde mental dos alunos foi uma das preocupações dos docentes

Numa altura em que a saúde mental dos alunos começou a ficar mais debilitada, alguns professores conseguiram perceber isso e tentaram fazer um acompanhamento. Sara Oliveira, de 20 anos, sentiu bastante o apoio de uma das suas docentes. “Houve professores que estiveram muito presentes. Por exemplo, eu tive uma professora que durante as aulas fazia questão de acompanhar os alunos e fazer o ponto de situação de como é que eles estavam a nível de motivação. Ou seja, guardava parte das suas aulas para apoiar os alunos, para falar e para partilhar os seus problemas também, mostrando que aquela era uma situação que afetava todos de igual forma”.

Mas não eram apenas os professores a ajudar os alunos, pois a situação também ocorreu ao contrário. De acordo com Sara, “os alunos muitas vezes ajudavam os professores a entrar no sistema.”

Assim como Sara, também Carlos Gomes, de 21 anos, sentiu o acompanhamento de alguns docentes. “Lembro-me de uma professora que tentou sempre compreender o nosso estado de saúde mental, coisa que poucos professores falam, e tentou ser mais compreensiva em relação às datas das entregas”.

Carlos menciona também, que ao invés de olhar para o facto de ter aulas em casa como algo contraproducente, tentou encarar a experiência como “um desafio”, afirmando que “até me agradava bastante a ideia de não ter de sair de casa e só ligar o computador”.

Positividade no meio da tragédia

Embora o covid-19 tenha vindo alterar de forma negativa, muitos aspetos do dia-a-dia, algumas pessoas conseguem tirar lições de positividade. Carlos Gomes afirma que “uma parte da população começou a pensar no sentido da vida e a distinguir entre aquilo que é essencial e acessório”. “O ser humano chegou a um ponto em que se acha dono do mundo e a verdade é que a natureza, a qualquer momento, consegue abalar sociedades inteiras”. Assim, o vírus foi “um abanão importante que houve na humanidade e espero bem que aprendamos várias lições”, confessa o jovem.

Ainda neste registo, Francisco Campos, de 21 anos, também faz uma avaliação ao estado atual da sociedade, mas no campo da digitalização. “Foi bom no sentido em que uma grande franja da população se habituou e aprendeu a comunicar pelo computador”.

Pandemia foi um importante alerta para questões como o individualismo

Para Sara Oliveira, a pandemia também foi “um bónus não só para os estudantes, mas também para a sociedade”. A jovem reconhece que “no início ninguém pensava assim, porque a pandemia no fundo, tinha-nos retirado tudo de bom”. No entanto, “chegamos a um ponto em que começamos a questionar porque é que tem de vir uma pandemia, principalmente neste momento”. Muitas pessoas queixavam-se da falta de tempo nas suas vidas e “depois vem uma pandemia que te fecha em casa e te põe a pensar”, reflete.

Sara acredita que “o vírus colocou totalmente a nu, as principais fragilidades do ser humano e deu para perceber perfeitamente quem é que está adaptado às mudanças e quem não está. E isto vem principalmente, na minha vida como aluna, preparar-me para um futuro muito incerto para todos”, acrescenta.

“Esta pandemia põe-te a pensar que não podes ter planos e que a mudança, está sempre inerente. No fundo, é um alerta para sermos mais empáticos com os outros e para não sermos tão individualistas”, adverte.

Sara também aborda o facto de ser de uma geração “em que ainda brincávamos na rua e tínhamos contacto com os outros”. Agora, os tempos são outros e “o problema é que passamos todos a viver em bolhas individuais”.

Deste modo, a aspirante a jornalista coloca algumas questões relevantes: “que tipo de sociedade é que estamos a criar?” e “estamos a formar pessoas que tentarão fazer do amanhã um lugar melhor, ou estamos a formar cidadãos que não têm empatia pelos outros, que são egocêntricos e individualistas?”

Ainda que não sejam muitas as vantagens desta pandemia e confinamento sanitário, não podemos descartar a possibilidade de uma boa lição. A pandemia serviu para que o ser humano fizesse uma pausa e pensasse no outro, de forma solidária e não tão individualista, pois “independentemente da condição financeira, estamos todos no mesmo barco”. No fim do dia, foi “um alerta para mudarmos o ‘chip’ da forma como temos conduzido a sociedade e o pensamento da mesma”, conclui Sara.

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