Enfermeiras realizam estudo sobre saúde dos Jovens da Maia em tempo de pandemia

 

Um grupo de quatro alunas da pós-licenciatura em enfermagem comunitária, a estagiar na Unidade de Saúde Pública da Maia, desenvolveu um trabalho em parceria com a USP, sobre a saúde dos jovens adultos em pandemia.
Dificuldades em adormecer, ansiedade, depressões, deterioração de hábitos alimentares e sexuais são alguns dos problemas analisados com os jovens da Maia e explicados no trabalho destas quatro estagiárias em enfermagem.
O estudo debruçou-se sobre a compreensão de como o confinamento decretado em Portugal por períodos, entre 2020 e 2021, foi percecionado numa amostra de jovens adultos a frequentar o ensino universitário na Maia.
Dado que “vários autores já reportaram que as interrupções na vida quotidiana podem ser responsáveis por respostas psicológicas e comportamentais, muitas vezes, adversas (Charles et al, 2020)” – refere o trabalho – as quatro estagiárias na Unidade de Saúde Pública da Maia auscultaram os alunos do ensino Superior da Maia entre 11 e 30 de março deste ano.
As enfermeiras estagiárias Ana Luísa Oliveira, Fernanda Cunha, Liliana Castro e Luísa Carneiro distribuíram um questionário por um universo de 938 alunos da Maia, tendo obtido 149 respostas. Com base nesta recetividade elaboraram o trabalho, que foi coordenado pela Enfermeira Cristina Ribeiro (da Unidade de Saúde Pública da Maia) e Enfermeiro José Lima (docente da Escola Superior de Saúde Santa Maria).
Os resultados dos questionários aos alunos maiatos mostraram «alterações importantes em várias dimensões da saúde», refere o trabalho.
Dificuldades em adormecer, ansiedade, depressões, deterioração de hábitos alimentares e sexuais são alguns dos problemas analisados com os jovens da Maia e explicados no trabalho destas quatro enfermeiras.

 

Resumo do trabalho sobre Saúde dos jovens adultos em tempo de pandemia

 

As restrições colocadas à circulação e as medidas de distanciamento social, como forma de controlar o surto pandémico, levaram a que muitos dos hábitos, quer alimentares, de exercício, vida sexual se alterassem, e o consumo de substâncias psicoativas e álcool podem ter ganho especial destaque na forma como se procurou gerir o stress durante o estado de emergência (WHO, 2019).
Face ao exposto torna-se importante perceber o impacto da pandemia nos diferentes domínios da saúde, do quotidiano e os sentimentos vividos e experienciados durante a pandemia pelos jovens adultos.
Uma das áreas abordadas foi a área do Bem-estar e Saúde Mental, utilizando variáveis como “sentimento de realização pessoal”, “sentimentos de solidão”, “sentimentos de depressão”, “sentimento de autoconfiança”, “níveis de energia” e “dificuldade em dormir”.
Os dados revelaram que cerca de 29% dos alunos tem dificuldade em adormecer, 28% sentem-se pouco realizados, 26% classificam os seus níveis de energia como baixos ou extremamente baixo, 15% revelam falta de autoconfiança e 7% referem sentir-se sós.
Sentimento de nervosismo, tensão e ansiedade foram vivenciados quase todos os dias ou diariamente por 17% dos alunos. Dificuldade em controlar as emoções e sentimentos de preocupação mais de metade dos dias durante o confinamento foram sentidos por 43% dos alunos. Relativamente à capacidade de relaxar 48% referiram ter tido dificuldade em fazê-lo mais de metade dos dias.
Já existe evidência de que os jovens são provavelmente os mais propensos a experimentar estados de depressão e ansiedade durante e após o término do isolamento forçado. São esperados valores maiores à medida que o número de dias de confinamento aumenta e a situação se prolonga no tempo. A mesma evidência deixa em alerta os cuidados de saúde, de forma que estes sejam capazes de desenvolverem medidas de apoio e de intervenção precoce para ajudar a resolver os problemas mentais que se espera que aumentem de forma substancial (Loades ME. Et al, 2020).
Os hábitos alimentares durante a pandemia também sofreram alterações importantes. A investigação desenvolvida para estudar os hábitos alimentares das pessoas durante a pandemia por Covid19 demonstram que estas, na sua maioria, mudaram os seus hábitos alimentares; com aumento do consumo de alimentos não saudáveis, ingestão de maiores quantidades de comida, mais lanches entre as refeições e um maior número de refeições (Ammar A. et al, 2020).
Além de relatarem comer mais vezes e em maiores quantidades, também se verificou uma diminuição no consumo de frutas e legumes, havendo pelo contrário aumento do consumo de carnes, lacticínios e fast-food (Sidor A. & Rzymski P., 2020). Os jovens estudados revelaram que, no geral, adotaram um regime alimentar menos saudável (53%) e 30% aumentaram de peso durante a pandemia.
Uma parte significativa da amostra reduziu a confeção das próprias refeições durante o confinamento (43%) e 22% refere ter aumentado o consumo de refeições pré-preparadas ou takeaway. O aumento de consumo de fritos e gorduras e o aumento do consumo de doces e salgados foi mencionado por 32 e 22%, respetivamente.
Relativamente à prática de atividade física, os resultados demonstraram que 89% dos alunos é praticante, destes 50% dedicam mais de 4h semanais para a realização de exercício físico, sendo a maior fonte de motivação para a sua prática o manter-se saudável. De referir ainda, que 15% da nossa amostra passa mais de 7 horas por dia sentados. Com o confinamento resultante da pandemia, a maior parte dos alunos, 56%, relatou uma diminuição na prática de atividade física, destes 61% referiram ser por falta de local apropriado ou falta de vontade.
O consumo de substâncias também sofreu impacto durante a pandemia. Os valores obtidos na nossa amostra relativamente ao consumo de álcool, revelam que a percentagem de consumidores é de 45% e destes a maior parte, cerca de 73% consome esporadicamente ou 2 a 3 vezes por mês no máximo, nomeadamente em saídas com amigos.
Apenas 7% da nossa amostra refere consumir álcool mais que 1 vez por semana. Estes valores são bem mais baixos quando comparados com estudos anteriores (Mendes & Lopes, 2014).
Durante o confinamento, apenas 1% da nossa amostra referiu ter aumentado o consumo de álcool, ao passo que 45% refere ter reduzido, precisamente por considerarem o seu consumo um ato social, contrariando dados que sugeriam que a exposição ao stress relacionado com desastres naturais ou humanos, onde se pode incluir a pandemia por Covid19, provocaria um aumento do consumo de álcool a curto prazo. Estes dados podem ser justificados pela tendência de aumento de consumo ser mais frequente em consumidores regulares. Uma vez que na nossa amostra o consumo de álcool é esporádico o impacto da pandemia não foi tão visível.
Cerca de 13% da nossa amostra é fumadora, no entanto, 25% dos fumadores refere fumar entre 10 e 20 cigarros por dia. A nossa amostra possuí uma prevalência de fumadores inferior a outros estudos, no entanto, a média de cigarros diários de 25% dos alunos fumadores vai de encontro aos dados reportados no relatório do Programa Nacional e Controlo do Tabagismo (2019).
Em relação às substâncias ilícitas, cerca de 21% dos inquiridos já tinham consumido drogas ilícitas. Destes 40% consomem com regularidade (2 ou mais vezes por semana). Na nossa amostra 19% refere ter aumentado o consumo de drogas alegando ter mais tempo disponível e como forma de ajudar a ultrapassar o período de confinamento.
A sexualidade, tal como muitas outras áreas, também foi afetada pelo confinamento induzido pela pandemia, uma vez que 41% da amostra referiu que a atividade sexual piorou. Dos alunos que referiram que a atividade sexual tinha sofrido impacto resultante do confinamento, o motivo de maior impacto foi o “estar impedido de estar com o/a meu/minha companheiro/a porque não moram juntos”, apontando por 47% da nossa a amostra, o segundo motivo de impacto na sexualidade relaciona-se com o facto de estar impedido de conhecer novas pessoas fisicamente, referido por 32% da nossa amostra. Outros motivos foram apontados, nomeadamente “falta de vontade”, “mais tempo em casa com o/a meu/minha companheiro/a” e “conhecer mais pessoas online”, por 7%, 14% e 1% da amostra, respetivamente.
Apesar da evidência que relaciona Covid 19 e sexualidade ser escassa, existe evidencia de que pandemia Covid 19 teve um impacto negativo não só em termos de afetividade, mas também em termos de relacionamento sexual. Este impacto revela-se sobretudo nas relações entre coabitantes, onde fatores psicológicos, estados de humor específicos podem inibir o desejo sexual. Mas também em quem vive uma relação estável, mas não convive.
Nestes casos, existe um forte desejo pelo outro, mas que não pode ser concretizado devido à distância física e à impossibilidade de aproximação devido à restrição dos movimentos. Quanto aos solteiros e sem companheiro no momento da pandemia torna-se difícil estabelecer relações visto que as oportunidades de conhecer alguém estão diminuídas. Assim, se por um lado as implicações psicológicas tornam a realização do ato sexual menos desejável, por outro também os problemas logísticos reduzem a possibilidade de ter uma relação sexual (Ibarra F.P., et al, 2020). Estes dados relatados por Ibarra et al (2020) vão ao encontro dos achados relatados pela nossa amostra.
Em saúde, planear é um processo contínuo e primordial. É necessário prever recursos e serviços necessários. Na maioria das vezes as necessidades são vastas e os recursos escassos e é necessário planear de forma a atingir os melhores resultados com os meios disponíveis.
Para além do desafio que a pandemia tem apresentado aos cuidados de saúde no momento atual, perspetivam-se necessidades acrescidas em várias áreas de intervenção, tendo em conta os efeitos a longo prazo que a situação pandémica ainda nos fará sentir.

 

Referências Bibliográficas:

 

Ammar, A., Brach, M., Trabelsi, K., Chtourou,H., Boukhris, O., Masmoudi, L., Bouaziz, B., Bentlage, E., How, D., Ahmed, M., Müller, P., Müller, N., Aloui, A., Hammouda, O., Paineiras-Domingos, L., Braakman-Jansen, A., Wrede, C., Bastoni, S., Pernambuco, C., Mataruna, L., Taheri, M., Irandoust, K., Khacharem, A., Bragazzi, N., Chamari, K., Glenn, J., Bott, NT., Gargouri, F., Chaari, L., Batatia, H., Ali, G.M., Abdelkarim, O., Jarraya, M., Abed, K.E., Souissi, N, Gemert-Pijnen, V., (…), Hoekelmann, A. (2020). Effects of COVID-19 Home Confinement on Eating Behaviour and Physical Activity: Results of the ECLB-COVID19 International Online Survey. Nutrients, 12(6). doi: 10.3390/nu12061583.
Charles, N. E. (2020, June 17). Increased mood disorder symptoms, perceived stress, and alcohol use among college students during the COVID-19 pandemic. https://doi.org/10.31234/osf.io/rge9k
Ibarra, F. P., Mehrad, M., Di Mauro, M., Godoy, M.F.P., Cruz, E.G., Nilforoushzadeh, M.A. & Russo, G.I. (2020). Impact of the COVID-19 pandemic on the sexual behavior of the population. The vision of the east and the west. Int. braz j urol. 46(1), 104-112. doi:10.1590/S1677-5538.IBJU.2020.S116.
Loades, M. E., Chatburn, E., Higson-Sweeney, N., Reynolds, S., Shafran, R., Brigden, A., Linney, C., McManus, M. N., Borwick, C., & Crawley, E. (2020). Rapid Systematic Review: The Impact of Social Isolation and Loneliness on the Mental Health of Children and Adolescents in the Context of COVID-19. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 59(11), 1218–1239.e3. https://doi.org/10.1016/j.jaac.2020.05.009
Mendes, F. E Lopes, MJ. (2014). Vulnerabilidades em Saúde: O diagnóstico dos caloiros de uma universidade portuguesa. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2014 Jan-Mar; 23(1): 74-82. http://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/12804
Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo – Emília Nunes (2019). Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo: Portugal-2019. https://www.sns.gov.pt/wp-content/uploads/2019/11/RelatorioTabaco2019.pdf.pdf.
Sidor, A., & Rzymski, P. (2020). Dietary Choices and Habits during COVID-19 Lockdown: Experience from Poland. Nutrients, 12(6), 1657. doi:10.3390/nu12061657.
World Health Organization (2019). Pandemia de doença por coronavirus (Covid19). https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
Partilhar:
Subscreva a nossa Newsletter