Clara Lemos foi eleita pelo PAN há quatro anos para deputada na Assembleia Municipal da Maia, mas a última metade do mandato esteve presente como independente, pois desvinculou-se do partido. Nesta entrevista, afirma que continua a defender os interesses de Pessoas, Animais e Natureza por convicção, mas que está um pouco desiludida com a política partidária e vai ficar de fora da corrida nas próximas eleições.
Desde que se propôs há 4 anos ao eleitorado pelo PAN, o que mudou especialmente na sua vida?
Ocorreram algumas mudanças. Quando avancei com a candidatura, em 2017, confrontei-me, desde logo, com uma exposição pública que desconhecia e à qual tive de me adaptar. Com a eleição senti, e sinto, muita responsabilidade e muita determinação para cumprir o programa eleitoral proposto. Porém, passados 4 anos, reconheço que a minha luta esbarra, na maioria das vezes, na inércia de quem decide.
Tendo conseguido uma novidade de ter sido eleita por um partido jovem para a Assembleia Municipal (AM) da Maia, que balanço faz do seu contributo neste órgão maiato para o bem-estar dos maiatos em geral?
Essa avaliação compete aos maiatos, contudo esforcei-me por contribuir positivamente para a nossa comunidade. Lancei para o debate político visões diferenciadoras, e mesmo, novos temas, dos quais posso destacar: Recomendações e Moções aprovadas na Assembleia Municipal: “Redução gradual de louça descartável de plástico não reutilizável”; “Circos sem o recurso a animais”; “A mascote – implementação de um projeto que promova a adoção de animais junto das escolas e residências seniores”; “Banco local de voluntariado” e “Maior proteção às vítimas de violência doméstica”.
A Recomendação “Comemorações mais sustentáveis”, que visava a substituição gradual do lançamento de foguetes e fogo de artifício por eventos de baixa intensidade sonora e mais ecológicos, foi reprovada, numa “surdez” perante as nefastas consequências para o ambiente e seres mais vulneráveis (como pessoas debilitadas, idosos, crianças, animais).
De todas, a mais importante, na minha opinião, foi a Recomendação “Por um espaço público livre de glifosato”. Esta substância, desconhecida para muitas pessoas, foi associada pela OMS a doenças oncológicas e metabólicas. Tive uma postura independente na avaliação do desempenho da Câmara Municipal, sem tendências ideológicas de esquerda ou direita.
A meio do mandato dá-se a sua desvinculação do PAN: quais as razões que motivaram essa saída embora continuando como deputada não inscrita na AM?
Desvinculei-me no dia em percebi que não existia identidade com o PAN, enquanto organização política. Foi um processo gradual, com expetativas não concretizadas, com défice de democracia interna e com falta de apoio. É difícil prosseguir quando percecionamos que não podemos contar com ajuda jurídica num processo complexo como o da “Reversão da dívida fiscal da Tecmaia”, ou apoio político nos impactos negativos ambientais da Maia, ou mesmo, partilha de opiniões na avaliação dos documentos.
Foi um momento em que senti uma grande desilusão, pois significava o afastamento de um projeto que ajudei a construir e com o qual partilho o mesmo conceito ideológico. Continuei inscrita na Assembleia Municipal, como deputada independente, de forma a dar continuidade ao meu trabalho em defesa de um município mais justo, mais ético, mais “verde”, mais inclusivo e com mais proteção às pessoas e aos animais. A outra opção, a de renunciar ao lugar, não garantia essa sequência.
Pretende apresentar-se novamente a sufrágio? Foi convidada a integrar alguma lista?
Na realidade, tive convites para integrar listas de candidaturas a diferentes órgãos políticos. A essas propostas acrescento o desafio de alguns maiatos para concorrer com uma lista independente. Por todas essas manifestações me sinto honrada e agradeço. Estou extremamente grata a todos pela confiança depositada. Porém, pretendo ausentar-me dos cargos políticos.
Em termos de participação cívica a sua luta vai ter daqui para a frente os mesmos objetivos, como há 4 anos, em que defendia a melhoria de condições no CROACM, no Zoo, nas políticas ambientais, etc?
Essa luta é uma certeza! Existem causas que estão acima de cargos e partidos políticos. A pressão da sociedade civil é o mais eficiente argumento para atingir objetivos de mudança.
A política nestes quatro anos deixou-a de alguma forma desiludida?
Sinceramente, acho que estou, um pouco, desapontada com a política. Quando somos eleitos para uma Assembleia Municipal, ficamos com a expectativa da realização de algumas medidas. Segundo a minha experiência, na Maia, as Recomendações e Moções, mesmo que aprovadas, dificilmente são concretizadas, e aquelas que o são, aparecem numa fase posterior com a “capa” da Câmara Municipal. A título de exemplo, a Recomendação “Por um espaço público livre de glifosato”, que apresentei em abril/junho de 2018, foi reprovada por, suposta, impossibilidade técnica. Contudo, em setembro do mesmo ano, a Maia deixou de utilizar o glifosato em resultado de um vídeo que coloquei numa rede social. No fim, o que importa é a qualidade de vida das pessoas e animais. No entanto, entendo que devemos refletir sobre este processo que descredibiliza o papel da Assembleia Municipal.
Comecei este mandato com a mente aberta para o diálogo, oferecendo ao executivo autárquico o meu conhecimento e as minhas mais- valias, nomeadamente, em áreas como o Ambiente e Proteção Animal. Apresentei dezenas de propostas, a maior parte com reduzido impacto financeiro, que melhorariam o Bem Estar Animal e o desempenho dos respetivos cuidadores. Porém, a maioria das mesmas foi ignorada. “Salvaram-se” apenas o programa CED (captura/esterilização/devolução) para gatos, a Campanha Solidária de Esterilização e o parque de recreio no CROACM para cães, o que para 4 anos é pouco, muito pouco mesmo. A sociedade maiata lucraria se a Câmara Municipal fosse mais recetiva aos contributos das forças políticas de oposição.
Como considera que decorreram os trabalhos na AM, tendo em conta a pandemia?
Houve uma adaptação que permitiu a discussão aberta? Os procedimentos na Assembleia Municipal foram ajustados com o objetivo de cumprir os requisitos impostos pela DGS. Tivemos reuniões online, mistas e presenciais conforme a curva epidémica obrigava. Na minha opinião, correu bem.
O que pensa do projeto do ICBAS – Centro de Saúde Animal e Humana?
A Recomendação que apresentei em Assembleia Municipal, sobre este projeto, foi a mais difícil de conceber, dado que envolve um tema muito sensível, que apela a valores pessoais muito relevantes, e por isso, de grande complexidade. Desde logo, defendo a investigação científica, pois salva vidas e/ou mitiga o sofrimento em humanos e não humanos.
Por outro lado, sensibiliza-me imenso a dor dos animais que são usados na experimentação. Assim, considerei que a postura mais equilibrada, dentro desta dualidade, é a de incentivar investimento em modelos alternativos ao uso de animais nas experiências e, ao mesmo tempo, garantir as melhores condições possíveis de bem estar animal, seguindo as diretrizes da União Europeia.
Que temas/projetos gostaria de ver trazidos ao debate nos próximos tempos e na campanha eleitoral por todos os atores políticos que se envolvam nestas Autárquicas?
Existe um descrédito da sociedade civil na política, isto porque as promessas eleitorais são imensas, mas muitas não são cumpridas a partir do momento em que os intervenientes são eleitos com poderes executivos. Desta forma, gostaria que fosse incentivada a participação cívica através de Orçamentos Participativos.
As desigualdades ao nível de infraestruturas e transportes entre freguesias do nosso município é uma realidade que deve ser mitigada. A forte industrialização da Maia, da qual, por um lado, provêm importantes benefícios económicos, apresenta, por outro, impactos negativos ambientais para a vida das populações. É de grande importância a monitorização da qualidade do ar e do solo, bem como, a partilha com os cidadãos dos respetivos dados. Por último, gostava que todos os programas eleitorais tivessem propostas reais de Proteção e Bem Estar Animal.