Maestro e fundador do grupo Coral Pequenos Cantores da Maia, Victor Sampaio Dias foi uma das figuras que teve a honra de receber das mãos do presidente da Câmara uma das medalhas de Ouro do município, na cerimónia de imposição de condecorações honoríficas, no último sábado.
No dia em que foi condecorado com a Medalha de Mérito do Município da Maia (Ouro), Victor Sampaio Dias deu esta entrevista ao Primeira Mão.
O que significa para si esta condecoração que o Município da Maia lhe atribuiu?
É antes de mais uma enorme honra, o maior ato de reconhecimento público que tive em toda a minha vida. mas é também uma responsabilidade. Agora que o Município da Maia me condecorou com a Medalha de Mérito (Ouro), sinto que tenho uma responsabilidade acrescida de manter uma conduta cívica e social consentânea com o reconhecimento público que me foi tributado. Simultaneamente, sinto-me desafiado a criar mais obras para doar à minha comunidade e proporcionar a sua livre fruição, procurando que tenham alguma relação com a minha pertença cultural à comunidade.
Foi com grande emoção que recebi das mãos do Senhor Presidente da Câmara Municipal da Maia esta Medalha de Mérito. Nesse momento senti no meu coração a presença espiritual dos meus queridos e saudosos pais, Elisa e José Armando, porque é a eles que devo a vida e a esmerada educação com que me criaram, dádiva que é a minha honra maior.
E o que é que a Maia pode esperar de si no futuro?
Se Deus me der vida e saúde, desejo continuar a dedicar-me ao Coral Infantil Municipal dos Pequenos Cantores da Maia, criando novas canções e desenvolvendo novos projetos artísticos. O trabalho que faço com esta formação artística há 30 anos tem sido muito gratificante, sobretudo porque as crianças e jovens que por lá passaram, umas largas centenas, por todo o lado onde hoje se afirmam pessoal e profissionalmente, continuam a apontar a sua experiência nos Pequenos Cantores da Maia como uma referência essencial no seu crescimento e formação humana, cultural e social.
Mas estou numa fase da minha vida em que vivo uma quase inquietação com tanta música na cabeça que, não raras vezes, sem dar conta, trabalho incessantemente até ao nascer do dia para levar tudo num fôlego só. É um desassossego…
Algum dia imaginou ser condecorado com a Medalha de Mérito do Município?
Penso que nem eu nem as outras pessoas que receberam estas distinções esperavam recebê-las. Mas diante a deliberação da Câmara Municipal que nos conferiu tamanho reconhecimento, só podemos estar gratos. Da minha parte, é esse o sentimento que tenho, é de gratidão.
Creio que o Executivo interpretou o querer e as perceções cívicas, sociais, culturais e humanas da comunidade e dando concretude a essa realidade, correspondeu a esse desejo coletivo, aplicando os critérios regulamentados em sede própria para este efeito. O que se espera de todos quantos foram distinguidos é que sejam dignos deste reconhecimento e continuem a respeitar os valores que foram invocados para os distinguir. Esse é o meu compromisso com a comunidade, é ser digno desse reconhecimento em toda a minha vida.
Na cerimónia solene foram tocadas quatro obras suas, esse facto foi uma coincidência ou foi intencional?
Foi um misto de coincidência e de propósito. Duas das obras, a primeira e a última, já tinham sido tocadas num evento familiar privado, mas em público nunca. Contudo, “1519 – MAIA TERRA MATER, VITA OMINUM”, nesta versão para quarteto de cordas e “Rouxinolandia” foram compostas depois de ter sido tomada a deliberação do Executivo, para serem expressamente tocadas em estreia absoluta. Isto fez com que a cerimónia solene se tornasse única e irrepetível. Foi um gesto através do qual quis também sublinhar a minha gratidão ao Município.
Deu o nome “Rouxinolandia” a uma das obras, o que o inspirou?
Sem dúvida a minha família. A minha esposa e as minhas duas filhas têm Rouxinol no nome e todas, sem exceção são de facto verdadeiros rouxinóis muito afinados e melodiosos. Devo dizer-lhe que na minha casa se respira permanentemente Música.
Confesso que este reconhecimento que recebi da comunidade, através do Município, quero partilhá-lo com a minha mulher, Mizé Rouxinol, que sempre me deu força e me incentivou a desenvolver e aplicar os meus talentos, mas também me tem ajudado imenso com o seu apurado sentido crítico.
A Mizé tem uma imensa capacidade de análise e de antever o impacto e efeito das coisas e isso é muito útil para mim. Quantas vezes, com a ajuda dela, consegui melhorar muitas canções e, mais recentemente, várias obras que tenho composto numa linguagem mais clássica. Mas esta partilha estendo-a também às minhas filhas, que têm ambas uma sensibilidade musical muito apurada, integrando o “focus group” artístico familiar, que em primeira mão, me dá um feedback muito espontâneo e genuíno que é tão importante para mim.
Assina algumas obras como Victor Sampaio Dias e outras somente como Victor Dias, qual é a razão?
Explico isso facilmente. As mais de 60 canções que compus para a infância, tem a minha assinatura com o meu primeiro e último nome. As obras de pendor, digamos assim, mais clássico, assino como Victor Sampaio Dias, deste modo, classifico as duas facetas da minha obra musical, distinguindo a Música que faço para a infância, de pendor mais ligeiro, da Música Orquestral e Música de Câmara que crio.
Gostava de ter tido uma carreira profissional na Música?
Na minha juventude sonhei com isso e comecei a fazer esse caminho com algum sucesso, mas de repente a minha vida mudou e por razões de saúde tive de me reinventar. Contudo, a paixão da Música ficou sempre comigo, entranhou-se no meu ser, no meu espírito. E ficou porque, naturalmente, era-me impossível viver sem Música. Felizmente consegui sempre um equilíbrio entre a minha dedicação à Música e o meu trabalho em funções públicas, seguindo uma tradição de família. Mas tive a sorte de durante mais de 20 anos trabalhar no Fórum da Maia e dirigir artisticamente o Festival de Música e acumular há 30 anos o cargo de diretor artístico e Maestro dos Pequenos Cantores.
Hoje, por circunstâncias várias, já não me seduziria seguir uma carreira na Música, basta-me o prazer que tenho em criar peças novas para que outros músicos possam interpretar. Não que eu tenha a veleidade de querer entrar para a História da Música ou tornar-me um compositor reputado, nada disso, reconheço as minhas limitações que são de vária ordem e, por isso, contento-me com o facto das pessoas me dizerem que gostam de ouvir a minha Música e se sentem bem a ouvi-la. E isso já me basta, já me faz feliz saber que levo alegria e prazer musical às pessoas.
Falou de dificuldades e limitações, como contorna esses aspetos?
Felizmente, existem atualmente um conjunto de ferramentas digitais que colocam à disposição de quem compõe, um vastíssimo leque de recursos facilitadores da composição, seja ao nível da criação melódica, da organização rítmica e, sobretudo, quando queremos trabalhar e espalhar de forma coerente e com sentido a harmonia ou o contraponto e cuidar da orquestração de uma forma mais estruturada e enriquecida.
Tendo a Música na cabeça, tendo as ideias bem arrumadas e consolidadas sobre o que se quer fazer, o uso dessas ferramentas ajuda muito. E um compositor com as limitações com que eu tenho de arrostar, beneficia imenso dessas ferramentas e de outras ajudas técnicas digitais que existem atualmente.
Agora que fala nisso, pode partilhar connosco a forma como nascem as suas obras?
De certa forma já respondi a essa pergunta na minha resposta anterior. Mas sim (sorrisos), posso dizer que basicamente há duas formas como nascem as minhas obras: umas vezes surgem espontaneamente na minha mente, ou melhor, no meu espírito, ideias musicais que vão fazendo o seu caminho e que por pura intuição vou desenvolvendo e maturando até ao momento de as registar em áudio e dar início ao meu processo de trabalho; outras vezes, o que surge na minha cabeça é a vontade de criar projetos artísticos mais ousados e aí, o meu processo de trabalho é organizado de outra forma, através de uma esquematização programática das obras, em que defino as estruturas musicais que pretendo, realizo estudos prévios no piano e depois começo a evoluir para a sua complexificação como se estivesse a criar uma árvore da raiz para a copa, constituindo o tronco, os ramos, a folhagem, as flores e os frutos, dando-lhe forma, textura e cor.
Pintar musicalmente um estudo harmónico é trabalhoso e para mim ainda mais difícil, mas com os recursos que hoje existem, é bem mais fácil do que no passado. Uma das vantagens, é que quando percebemos que uma progressão harmónica, ou a cor de um instrumento que parecia surtir o efeito pretendido, afinal, não funciona, podemos rapidamente resolver esse equívoco e utilizar outro recurso tímbrico, ou se for o caso, experimentar outra progressão harmónica e obter um resultado mais satisfatório.
O fluxo de trabalho criativo é bem mais fluído e intuitivo, permitindo que passemos da mente ao arranjo, praticamente todas as ideias, com a vantagem de as testar em tempo real. E à medida que o processo de trabalho evolui, vamos podendo monitorizar o que se vai construindo, para no final, termos logo ali no nosso ambiente de trabalho, uma perceção muito realista de como tudo irá soar ao vivo. E isso é extraordinário, pelo que digo que as tecnologias desenvolvidas para a composição e as ajudas técnicas à acessibilidade digital são para mim uma verdadeira maravilha da Ciência e da Técnica.
Por fim, gostaríamos de saber se esta condecoração é única?
Com este simbolismo e significado é sem sombra de dúvida única e a mais alta condecoração que me atribuíram, diria que a Medalha de Mérito do Município da Maia é o reconhecimento de tudo quanto já fiz na Música e na comunidade. Mas, noutra dimensão e noutras circunstâncias, felizmente, já averbo uma série de prémios de que também me orgulho muito, nomeadamente pelas minhas participações enquanto compositor de Música para a infância, com vários troféus atribuídos a composições minhas para Melhor Música, alguns a par da melhor Letra para a Mizé Rouxinol, premiando as nossas parcerias de há mais de 30 anos. Uma parceria que nos deu a honra de representar Portugal com uma canção nossa no Sequim d’Ouro em 1994 e que foi interpretada por uma menina dos Pequenos Cantores da Maia, a Marina Pacheco, que abraçou uma carreira profissional no canto lírico.
Link para o vídeo da cerimónia que permite ouvir as obras do compositor: