No dia em que foi estreado o documentário alusivo aos 30 anos de carreira artística do Coral Infantil Municipal dos Pequenos Cantores da Maia, Victor Dias, maestro e diretor artístico desde a sua fundação, concedeu ao Notícias Primeira Mão uma entrevista exclusiva.
NPM: Qual é a sensação ao fim de três décadas a conduzir este projeto?
Victor Dias: É uma sensação paradoxalmente estranha. Por um lado tenho consciência de que conseguimos realizar imensos projetos e fizemos coisas muito bonitas e dignificantes para a Maia, mas ao mesmo tempo tenho sempre aquela sensação de que o melhor está p’ra vir, como nos diz o Pedro Abrunhosa naquela canção em que os Pequenos Cantores da Maia têm uma participação muito forte. Mas sim (sorrisos) temos um álbum de recordações muito recheado de momentos memoráveis.
Há algum momento que queira destacar?
É muito difícil, mas diria que as nossas tournées à Finlândia e à DisneyLand Paris foram, de facto, memoráveis pelos momentos inesquecíveis que vivemos. A experiência de cantar na Ópera de Helsínquia e na Casa do Pai Natal na Lapónia, ou por exemplo, sermos recebidos com um banquete à portuguesa e darmos um concerto na casa do Embaixador de Portugal, por sinal um apartamento de luxo onde foram rodadas algumas cenas de filmes célebres, são experiências inesquecíveis.
Não me esqueço que todas as nossas performances tinham sempre cobertura mediática, com rádios, televisão e jornais a reportar sobretudo à Música Popular Portuguesa que fez um enorme sucesso. Levamos no nosso reportório uma rapsódia com grandes temas do nosso imaginário musical popular, desde o Alecrim ao Malhão, passando pela Oliveira da Serra e a Laurindinha, e o resultado é que estavam sempre a pedir que cantássemos e repetíssemos essa rapsódia, sempre aplaudida vibrantemente.
O concerto no Palácio da Bela Adormecida na EuroDisney também foi inesquecível. Havia muitos portugueses na plateia emocionados ao ouvir-nos cantar as canções do imaginário Disney em português, mas também a nossa Música popular, são momentos que ficam gravados na nossa memória. Enfim, podia estar aqui horas e horas a relatar experiências maravilhosas, como os concertos na Sala Suggia com orquestra sinfónica, ou na Presidência da República e no Parlamento, havia tanto para contar…
Este documentário agora estreado retrata bem os 30 anos de carreira dos Pequenos Cantores?
Isso é impossível, qualquer documentário que se pretenda fazer sobre três décadas de vida será necessariamente incompleto e inacabado. Admito que é uma boa tentativa, tem testemunhos vivos bonitos e desenvolve-se numa narrativa que procura ligar tudo com uma certa coerência, mas é sempre uma parte, ou se quiser, uma visão subjetiva e parcial da nossa história.
É a sua visão da história?
De modo nenhum, o realizador é o Vítor Santos da Filmes da Mente, a quem nós fornecemos o material que conseguimos reunir, respondemos às questões que ele alinhou e depois ele fez o seu trabalho. Sendo alguém que veio de fora fazer isso, acho que conseguiu um bom resultado. Tão bom que conseguiu fazer com que o Presidente da Câmara e nosso Patrono se emocionasse, o que creio diz bem da qualidade do documentário.
Como facilmente se compreende, se fosse eu a dar a minha visão da história, que seria também subjetiva e parcial, o mais provável é que o filme não passasse de uma enfadonha sucessão de referências e agradecimentos, o que seria lógico porque, como eu disse na estreia do documentário, este percurso de 30 anos foi sempre um trabalho de equipa e eu, necessariamente, iria sublinhar o papel de algumas pessoas que ajudaram a realizar muitos projetos, desde os nossos sucessivos patronos, aos vereadores da cultura e várias senhoras e senhores que entusiasticamente nos apoiaram. Portanto, está a ver o que iria ser o filme se fosse realizado por mim.
Creio que o realizador, sem dispensar os momentos emotivos, teve a parcimónia precisa para não comprometer a coerência e o interesse da coisa, preservando o objetivo fundamental que é a promoção dos Pequenos Cantores da Maia como uma instituição artística que existe para proporcionar a experiência de fazer Música, feita por crianças para crianças, num ambiente familiar e aprazível, onde os valores éticos, cívicos e sociais se compaginam com os valores estéticos. Eu fiz questão de dar liberdade ao realizador e deixá-lo construir uma narrativa documental segundo os seus próprios critérios profissionais e acho que ele fez um bom trabalho, escolhendo os protagonistas certos para contar as histórias que o público queria ver e ouvir. É ver a história por um prisma documental mas com alguma sensibilidade cinematográfica.
Disse na cerimónia de estreia do documentário que o coro sempre esteve alinhado com as políticas ambientais do Município. Pode um Coral Infantil Municipal estar ao serviço da política?
(Sorriso) Claro que sim. Em primeiro lugar é importante que tenhamos consciência que tudo, mas absolutamente tudo na vida, tem uma dimensão política, quer dizer, tem subjacente uma ou várias ideias de como se pode conceber e realizar, e a essa imanência ninguém pode fugir. Mas a Angélica diz bem, ao referir políticas ambientais, posto que na verdade, o que fizemos desde a nossa fundação, foi criar obras musicais, com um forte pendor lúdico e pedagógico, que aportam mensagens de enorme importância para a sensibilização e educação ambiental das nossas crianças, compaginando esse propósito com a estratégia do Município da Maia que é a nossa entidade “mãe”.
Esta cooperação interna é, a meu ver, um exemplo de referência nacional, que demonstra como uma instituição artística pode estar ao serviço da formação cívica e ambiental dos cidadãos do futuro. Creio que se hoje somos uma comunidade concelhia que se pode orgulhar de ter feito um caminho rumo à sustentabilidade ambiental, com indicadores ao melhor nível europeu e que averba uma extensa coleção de prémios nesta matéria, os Pequenos Cantores da Maia estiveram sempre a ajudar a construir esse caminho, fornecendo instrumentos lúdicos e didático-pedagógicos para apoiar a educação e sensibilização ambiental, numa partilha que teve como grande entusiasta o então vereador do Ambiente e hoje presidente da Câmara Municipal, António Silva Tiago. Realidade que está muito bem retratada no documentário.
Os Pequenos Cantores são também conhecidos como uma instituição onde não se aprende apenas a cantar. Mas isso não é uma inevitabilidade?
Sim, claro que é, porque em lado nenhum se consegue fazer bom trabalho sem disciplina, ordem e respeito pelo trabalho individual e coletivo. É certo que nos Pequenos Cantores trabalhamos com muita regularidade algumas competências sociais e cívicas fundamentais para que consigamos alcançar os objetivos com a máxima facilidade possível. Não esqueçamos que temos quase sempre duas turmas em sala de ensaios, cujo intervalo etário é muito amplo. Sou rigoroso e muito exigente com as crianças e jovens ao nível do respeito recíproco entre todos, quer na forma como se relacionam, dialogam e se respeitam na sua diversidade, mas também na interação no trabalho técnico e artístico.
Uma das primeiras abordagens que fazemos junto dos novos elementos é fazê-los entender que fazem parte de um coletivo onde a soma das partes é que acrescenta valor, demonstrando-lhes que quanto melhor for o seu empenho e dedicação, melhor será o resultado do todo e, logo, maior será a satisfação individual. Esse trabalho é fundamental para que tenhamos solistas que servem o interesse geral do coro, procurando as melhores performances nas canções a que são chamados a fazer solos, mas preparamo-los muito bem para que não assumam, internamente ou em público, uma postura de vedeta, ajudando-os a compreender que o seu destaque é ao coletivo que é devido, por reconhecer as suas capacidades particulares para defender aquela canção e torná-la artisticamente mais completa.
Promovemos um verdadeiro espírito de comunidade, onde todos contam, são importantes e iguais em oportunidades e onde é dada a todos a possibilidade de desenvolver o potencial de talento que diferencia cada criança e faz dela um ser único e irrepetível. Não é um exercício fácil, mas creio que temos conseguido esse equilíbrio e essa harmonia que, a mim, particularmente, me dá uma grande paz de espírito.
Sente que o Coral é reconhecido?
O reconhecimento é uma consequência e nunca foi uma coisa que procurássemos, o nosso foco foi sempre a realização e bem-estar das crianças. Gosto de ver crianças felizes e através disso também as suas famílias. Claro que também gostamos de ver o nosso público contente e de sorriso largo no rosto, expressando a sua alegria ao ver e ouvir as nossas performances em palco. E esse é o maior reconhecimento que os pequenos artistas, os maestros, assim como todas as pessoas envolvidas no processo criativo e artístico podem ter, não há outro melhor.
Mas também valoriza as honras que já foram atribuídas aos Pequenos Cantores da Maia?
Valorizo sim e muito. É para nós uma honra podermos inscrever no nosso palmarés a Medalha de Mérito do Município da Maia (Ouro), ou a Medalha de Prata da UNICEF, que nos foi atribuída no tempo em que era nosso Patrono o nosso fundador José vieira de Carvalho, assim como valorizamos a distinção com que nos honrou o senhor Presidente da República, Cavaco Silva, entre outros galardões que recebemos. Mas tudo isso tem um significado institucional, que sendo muito valioso, não supera o valor dos sorrisos de felicidade com que as crianças retribuem a nossa dedicação e carinho. Pode até ser uma visão idílica e pueril do mundo, mas é assim que a nossa equipa se motiva para trabalhar neste projeto.
E projetos para os próximos 30 anos?
Não faltam (Sorrisos). Estamos a colaborar num projeto artístico com o Centro Hospitalar Universitário do S. João e com a Fundação Infantil Ronald McDonald e vamos realizar outros projetos na área da educação ambiental de que em breve daremos notícias.
Veja aqui o Documentário sobre 30 anos dos Pequenos Cantores da Maia: